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Porque a depressão está entre nós?

Ana Maria Logatti Tositto

Mais de 120 milhões de pessoas sofrem com ela no mundo e estima-se que, apenas no Brasil, já sejam 17 milhões os acometidos pela doença. Atualmente, a depressão é considerada uma das doenças mais impactantes, atingindo uma em cada quatro pessoas. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, essa será a patologia que mais incapacitará indivíduos em 2020.

Não se sabe exatamente quais seriam as causas da depressão. Entretanto, sabe-se que ela é multifatorial, ou seja, tem componentes genéticos, biológicos e ambientais. Uma pessoa que, por exemplo, tenha registro em sua família de algum caso de depressão apresenta mais chances de manifestar a doença em sua vida.

Como clínica da psicoterapia, tenho pensado muito em como a vida atual (e os aspectos ambientais) poderiam estar contribuindo para o desenvolvimento da depressão.

Veja só, não temos relatos de que a doença fosse tão recorrente em épocas passadas. Eu sei que talvez, antigamente, ela não fosse ainda tão notória - uma vez que não havia um conhecimento tão estruturado sobre o assunto nem formas tão claras de diagnóstico e rastreamento -, fato que daria a falsa noção de que não estava entre nós. Entretanto, é possível que fosse impactante, mas de maneira mais silenciosa.

Contudo, vejamos: dificilmente, no começo do século passado, as pessoas eram assoladas com preocupações na proporção das que vivemos hoje. Será que eles ficavam preocupados de maneira aflitiva com a possibilidade de um assalto iminente como ocorre hoje em dia? Provavelmente não.

É possível que nossos antepassados retornassem logo no fim da tarde para casa, onde se relacionavam com família, dividiam algumas tarefas domésticas e, na hora de ir para a cama, não tinham tanta dificuldade para dormir - por vezes pouco e mal -, a exemplo de como se vive atualmente.

Inclusive, após uma noite reparadora, possivelmente nossos antepassados se levantavam da cama bem mais animados, uma vez que não eram atormentados pelos celulares e tablets que apitam a noite toda. Também é possível que tomassem café com mais tranquilidade antes de sair para o trabalho, sem estarem já amargurados e aflitos por e-mails ou mensagens de texto que teriam recebido antes mesmo de sair da cama, anunciando problemas que os aguardavam nas empresas.

Possivelmente, eles também não estavam tão apreensivos com as contas do cartão de crédito e com as pendências financeiras que cairiam no fim do mês, pois a mobilidade econômica para outras camadas sociais era praticamente inexistente. Assim, o sentimento de inferioridade e de incapacidade talvez os visitasse com menor proporção, pois se satisfaziam com aquilo que tinham.

Não havia também tanta pressa para viver, ainda que a expectativa de vida fosse menor, se comparada à que temos atualmente. Talvez não houvesse tanta pressão no trabalho e nem competição para mais resultados, alianças contra colegas e avaliações psicológicas que cotidianamente apontassem suas falhas ou ‘’talentos’’ não desenvolvidos.

Além disso, provavelmente não havia imposição para fazer um MBA, pois era comum permanecer em um mesmo cargo por anos a fio até que, em determinado momento, a promoção naturalmente acontecia.

Nossos antepassados também não sabiam da importância de se fazer alguma atividade física. Assim, não lhes pesava a obrigação de fazer algum tipo de exercício ou spinning em uma academia três vezes por semana, com um professor que grita mais alto do que música que embala a atividade (e possivelmente, mais alta do que a turbina de um avião). Isso decorre do fato de que não se preocupavam tanto com as medidas corporais, visíveis nas barrigas ou nas celulites, e os trajes de banho usados nas praias mais cobriam que mostravam.

Não havia uma imposição social tão grande para atingir um corpo perfeito. Eles eram aquilo que, em sua genética, herdavam sem culpa, constrangimento ou frustrações.

Provavelmente, nossos antepassados também não tinham tantos problemas com os filhos. Sabia-se da autoridade dos pais e ninguém imaginaria desafiá-la. Não ouviam sobre usar a ritalina para tratar déficit de atenção ou sobre o bullying que seus filhos estariam praticando ou sofrendo. Possivelmente, por se relacionarem mais com a prole, sua presença conseguia aquietar as inseguranças infantis e juvenis, deixando de empurrar o problema para as escolas. Também naquela época, possivelmente, as mães não tinham crises de identidade por não colaborarem economicamente com as contas da casa.

Finalmente, as pessoas casavam e ficavam com a mesma pessoa por muito mais tempo, pois as separações eram coisas muito mais raras, o que com certeza lhes trazia menores níveis de inquietude pessoal. Simplesmente se ficava casado.

Assim, creio que a pressão de ontem era imensamente menor e as pessoas viviam com aquilo que a realidade lhes disponibilizava. Talvez, muitas vezes, estivessem descontentes com suas limitações, mas é provável que mais pacificadas em relação às possibilidades.

Com menos tensão interna, um sono mais reparador e relações interpessoais mais estáveis, possivelmente sofressem menos de estresse. Isso fazia seus organismos não se sentirem tão agredidos, o que resultava em uma busca por alimentos menos calóricos. Portanto, é possível que tivessem uma relação mais saudável com a comida e, ainda que comessem praticamente de tudo, não havia restrições, de modo que não sofriam tanto com a obesidade como hoje em dia.

Ao olhar para o nosso cotidiano e para a vida que levamos, não seria surpresa que a depressão, mais dia ou menos dia, batesse a nossa porta.

Vivemos infelizes na maior parte do tempo, incompletos, pressionados, insatisfeitos e, o pior de tudo, profundamente angustiados.

A pergunta que lhe faço, portanto, é: você realmente acha que é possível viver assim?

Obviamente não. A evolução não nos preparou para viver de forma como a realidade moderna permite. Assim, talvez esteja na depressão uma das poucas respostas que o organismo humano ainda consegue dar a falta de perspectiva, de sentido e de controle sobre a vida.

A depressão está aí, com certeza, para sinalizar algo.

“É a depressão que você sente quando o mundo como é não se alinha com aquilo que você acha que deveria ser” - John Green.

Faça algo por você e por sua vida, em vez de sentir-se apenas vítima de uma existência desgovernada.

Reinvente-se. As escolhas estão aí exatamente para cumprir esse papel.

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