Ana Maria Logatti Tositto*
A vida afetiva dos seres humanos tem como pilar essencial as relações amorosas estabelecidas por eles. Ela representa o que dá cor, graça e sentido à existência. É o que permite também que a espécie se perpetue, por meio das uniões. Quando observamos os diversos tipos de relações amorosas surgem várias questões intrigantes.
Nesse artigo, iremos refletir sobre o mito do “será que um dia ele(a) vai mudar?” Quantas pessoas estão fadadas a um grande sofrimento, imaginando que conseguirão moldar o parceiro de acordo com seus desejos! Lidar com suas próprias limitações e com as do ser humano está na base de uma relação amorosa saudável. “Te amo pelo que você é” talvez seja a expressão maior de um amor consistente e amadurecido.
Uma pessoa, ao se interessar por outra, deve imaginar que ela tenha aspirações, ritmo próprio e um pacote de aspectos agradáveis e desagradáveis. Como nas faces de uma mesma moeda, se alguém desprezar o lado ruim, perderá o bom também. Caso contrário, leva para casa a moeda inteira. A boa convivência acontece no casal que encontra algumas afinidades, se agrada de certos atributos um do outro: não de todos! Um pretendente pode ser generoso ou egoísta, com filhos ou sem a intenção de tê-los, com ou sem sonho de se casar, religioso ou ateu, com maior ou menor apetite sexual etc.
Um equívoco comum de muitas pessoas reside na crença de ser transitório aquilo que as desagrada no parceiro. Convencem-se, então, de que um dia ele irá mudar. Elas querem as qualidades desse pacote-moeda, mas não os defeitos. Deixam-se levar pela fantasia onipotente e mágica de que conseguirão transformá-lo.
A vida se movimenta e as pessoas, naturalmente, se modificam com o tempo. As mudanças, porém, nem sempre correspondem às expectativas do outro, podendo, inclusive, seguir no sentido oposto do esperado por ele. Nesse caso, as frustrações e o sofrimento aumentam. Há casais que entram num círculo vicioso de cobranças: a relação se desgasta e o respeito entre eles evapora.
Há certas expectativas de mudanças baseadas naquilo que o amado já foi um dia. Busca-se um resgate, um reencontro. Por exemplo, alguém pode se ressentir com um parceiro que deixou de se relacionar de forma sensível, tornando-se mais frio e distante. Assim, ele almeja a retomada do contato afetivo, uma reaproximação. Dependendo da disponibilidade do parceiro isso pode acontecer ou não. Isso porque certos sentimentos e posicionamentos na vida ficam mesmo no passado como roupas antigas que não cabem mais, ou seja, deixam de fazer sentido para o parceiro ou de ser compatível com o presente. Caso as mudanças não sejam aceitas, o caminho é a separação.
Existem situações em que não adianta alguém alimentar expectativas de encontrar no parceiro algo que ele nunca teve. São relacionamentos nos quais a pessoa acredita em um potencial latente no companheiro sem nenhum precedente - uma expectativa gerada pelo seu desejo de ele ser como ela gostaria que ele fosse, recusando-se a aceitá-lo como ele realmente é. Há quem invista tempo e energia construindo estratégias mirabolantes para enxertar no parceiro ideias e emoções na esperança de moldá-lo à sua maneira. A pessoa pode passar anos contando-se histórias ilusórias de ser temporário tudo aquilo que a desagrada, postergando a sua felicidade para quando ele mudar.
Sim, pode! Porém, no momento e nos aspectos convenientes no ponto de vista dele. Cada um evolui naquilo que deseja e consegue suportar. Uma mudança ocorre a partir de uma necessidade interna, de dentro para fora, e não em função do desejo do outro. Ninguém muda ninguém compulsoriamente.
Assim, é fundamental o autoconhecimento e o conhecimento do parceiro durante o namoro, antes de se formar uma família. Aprende-se, naturalmente, no relacionamento amoroso. A escolha amorosa satisfatória baseia-se na aceitação do parceiro como ele se mostrou durante o namoro. Mudanças boas, se ocorrerem, serão bem-vindas.
Uma escolha implica em aceitar muitas renúncias. Dentre elas, o desejo de encontrar a relação ideal. A permanência em um relacionamento depende do nível de gratificação, de superar o da frustração, e não até todos os “senões” desaparecerem. No amor, se aceita o parceiro como ele é e não como ele poderá vir a ser um dia. Se isso não for possível, esse namoro não deve evoluir para um casamento, pois perder alguém que se acredita amar é muito sofrido, mas, perder-se de si mesmo, é insuportável.
*Ana Maria Logatti Tositto é psicóloga e mestre na área de saúde mental pela USP, professora e psicóloga no COP - Centro de Orientação Profissional da Uniara.
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